18 setembro 2005

Jazz embaixo d'agua

Tivesse Nova Orleans imitado Hollywood em sua calçada da fama, o baixo-relevo dos pés famosos estariam todos, agora, embaixo d’água. E naquelas paragens, a fama atende preferencialmente pelos nomes de King Oliver, Jelly Roll Morton, Sidney Brechet e, principalmente, Louis Armstrong. Todos exímios artesãos do jazz, o estilo musical que fez do improviso sua matéria prima, e de Nova Orleans seu berço esplêndido. Hoje, tombada pelas águas turvas do lago Pontchartrain, talvez ainda se possa ouvir em algum canto qualquer um sax ou trompete solitário chorando, atônito, notas improvisadas na paisagem desolada.A razão ocidental nunca engoliu muito bem a idéia de improviso. Desconfiou quando negros e mestiços principiaram a tocar instrumentos de ouvido, sem o auxílio luxuoso das partituras. O binômio improviso/planejamento remete a uma velha questão filosófica, mais especificamente epistemológica: o quanto sabemos acerca do mundo e de nós mesmos que nos permita antecipar, e com isso planejar, eventos futuros? Sejam esses eventos as notas musicais que compõem as sinuosas melodias do jazz, sejam as medidas necessárias a serem tomadas pelos poderes públicos para se evitar que catástrofes como a que se abateu sobre Nova Orleans assumam proporções maiores que as que deveriam assumir. É por conta do mal equacionamento das relações mútuas entre controle e liberdade que as artes e as ciências vêem muitos talentos se dissolverem no anonimato. Pela mesma razão o inferno costuma apinhar-se de políticos bem-intencionados, como diz o provérbio.Quanto à menina dos olhos de Nova Orleans, o jazz, só poderia mesmo ter nascido entre humanos escorraçados por esse privilégio da espécie: a razão. Como que descrentes de si mesmos, ou por habitarem esse subproduto da racionalidade ocidental chamada escravidão, acabaram por despejar na música o improviso que lhes possibilitou sobreviver em meio às querelas entre espanhóis, franceses e ingleses pela hegemonia política na região. Isso daria um bom mito da criação para o jazz. Como a água que recentemente vazou dos diques mal construídos de Nova Orleans, a musicalidade espontânea remanescente dos negros africanos não comportou o represamento da razão branca. “Do rio que transborda se diz que é violento, mas nada se diz das margens que o oprimem”, escreveu Bertolt Brecht.

Alexandre Mattos é educador.(Caros Amigos)

O ANALFABETO POLÍTICO

O pior analfabeto é o analfabeto político.Ele não ouve,não fala não participa dos acontecimentos políticos.Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, dependem das decisões políticas.O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que da ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos,que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresa nacionais e multinacionais.

Este texto de Bertold Brecht, por vezes encarado por mim como desabafo, chama a atenção para a importância da dimensão política como instrumento de renovação do ser humano. Aquele que participa da pólis(cidade) coloca para si a responsabilidade com o coletivo, vivencia não só as mundanças objetivas que a política proporciona, como a mudança subjetiva.O ser se encontra com o outro, se constrói solidário, reconhece no outro a sua própria existência, na medida que , como dizia Aristóteles , o homem é um animal social, que só se torna ser humano(aquele que pensa , projeta, produz cultura) na medida que sua existência passa a ter um sentido.