04 novembro 2017

ENEM, DIREITOS HUMANOS e medida do STF.



Liberdade de expressão nada tem a ver com a possibilidade de, em nome da "livre expressão", reforçar estereótipos ,estigmas e preconceitos.
Em uma sociedade globalizada a construção de identidades são importantes tanto quanto  os "padrões culturais”, referências transformadas ao longo da história, e só atuais para os que pensam que as culturas são estáticas, não se modificam. Tradições são cimentos sociais, mas o tradicionalismo é ideologia, enquanto aparato de falsificação da realidade e universalização de valores de classes sociais dominantes sobre todas as outras.

A ministra Carmem Lúcia ao referendar medida de MBL à redação do ENEM, atenta contra princípios da legalidade democrática, da regra da boa e segura convivência entre diferenças.

Lembrando que a democracia, elenca a proteção ao indivíduo, sua segurança baseada na racionalidade da lei, de forma que venha impedir  na sua forma liberal-iluminista que a força física possa ser praticada à revelia do contrato social. Sim, um atentado à legalidade na medida que legitima a violação da "sacralidade" da lei, que por princípio e teoricamente, garante juridicamente a coexistência pacificada entre os cidadãos.

 Com sua medida, a ministra não impede que outros pontos do edital do ENEM sejam considerados na correção da redação, como, Alteridade, diversidade e multiculturalismo. Violá-los pode até não gerar um "zero" ,mas sem dúvida reforça o valor da vingança contra ato violento, característica que não faz parte da racionalidade do Estado liberal-democrático.

A violência pode ter seu caráter simbólico no discurso, afetando a vida e "esfarelando" o critério da racionalidade da lei.

Os direitos humanos fazem parte de um esforço humanitário para a garantia da dignidade humana. Uma "ética" "a priori" que deseja servir de referência à culturas e Estados que violam a vida e a integridade do ser humano, seja ela qual for.

O estado de direito se garante pela inclusão de todas as formas de existência e expressões, desde que estas formas não reforcem os discursos de ódio, ou fomente o preconceito, forma cultural onde não se busca entender o conceito, expressando pensamento pré-concebido, do senso  comum, não reflexivo, que não permite uma leitura das realidades de sociedades contemporâneas, extremamente complexas culturalmente.

Mulheres, negros, homossexuais, povos originários são massacrados historicamente por Estados que sobrevivem à revelia da justiça, inclusive o nosso.

Não sou da área jurídica, mas como sociólogo, posso afirmar   que medidas que desalojem a filosofia civilizatória da democracia, se tornam um atentado contra a humanidade.
Também não sou Liberal, nem acredito que o sistema capitalista possa promover a Alteridade e a solidariedade entre grupos sociais e povos, mas para as regras jurídicas, valem mais a segurança da razão do que a livre expressão que fortaleça o ódio e a intolerância e por consequência, a Anomia.

A educação tem como função essencial permitir o acesso à ferramentas de leitura do mundo em toda a sua complexidade, favorecendo  que cidadãos se tornem sujeitos  de suas próprias vidas, que possam fazer opções mais seguras, garantindo a liberdade, desde que esta liberdade não permita suprimir a existência do outro.

A igualdade jurídica não leva a igualdade econômica ,mas permite que as populações mais vulneráveis à violência possam ainda, recorrer à lei para a garantia da justiça.

Neste sentido, qualquer medida legal que viole os princípios democráticos pode fazer ressuscitar os monstros do nazi-fascismo que produziu milhões de mortos, fascismo que colocava alguns padrões culturais acima de outros, que faz do Estado expressão de alguns valores morais sobre os demais.
Aliás, que instituições jurídicas são estas que legitimam a própria violação da democracia?

Quando a democracia é golpeada, a derrota é dos humildes, explorados e vulneráveis econômica e socialmente.
A declaração dos direitos humanos é potencial para a garantia da reprodução das práticas democráticas. A medida do STF só pode encontrar eco na obscuridade de um regime não muito distante, onde a farda valia mais do a lei.