19 setembro 2007

"Nova História Crítica"-Carta aberta ao "O Globo"


Sobre a veiculação pelo jornal “O Globo” de críticas ao livro “Nova História crítica”, gostaria de fazer algumas ponderações.

Em primeiro lugar, digo que o “Stalinismo” deve ser combatido em qualquer espaço como o “irmão” siamês do nazismo ou de qualquer doutrina que pregue ódio e seja responsável pela morte de um ou de milhões de seres humanos, como é o caso destes sistemas citados.

Pois então vejamos, que a crítica baseada em “erros conceituais” não existe. O que ocorre é que este autor desenvolve em uma linguagem adequada à idade dos jovens, a crítica a uma maneira de ver a História de forma neutra, perfil da grande maioria dos livros didáticos disponíveis no mercado.

Quando o autor abre espaço para a comparação de conceitos sobre o Socialismo e Capitalismo, fica clara a dificuldade em demonstrar as vantagens do sistema hegemônico nos dias de hoje. Aliás, é possível verificar a partir de dados oficiais, que o sistema capitalista não conseguiu em seus mais de quinhentos anos, solucionar os problemas mais básicos da humanidade, como a fome e todas as suas mazelas sociais, em qualquer parte do planeta.

Os argumentos utilizados pelo jornal são frágeis, e uma leitura atenta a reportagem do dia 19 de setembro, permite até mesmo aos não informados sobre a querela, encontrar contradições. Como na própria citação sobre Mao Tse Tung, que para o jornal o autor demonstra enaltecimento, fala que este, para os não membros do partido comunista, Mao Tse Tung não passa de um ditador.

Utilizo este livro didático há alguns anos, como milhares de outros professores e posso afirmar que não há erro conceitual ao demonstrar simpatia a um tipo de interpretação histórica.

É preciso apresentar o fato histórico sobre todos os pontos de vista, o que o livro faz, mas não é possível incorrer no gravíssimo erro de acreditar que exista neutralidade científica, nem mesmo no jornalismo isto é possível.

O ensino de História enquanto disciplina escolar no Brasil, sempre se baseou na mera descrição de fatos Históricos, apresentados enquanto verdade absoluta e tentando fazer crer que as personalidades históricas são grandes Heróis e os representantes político-institucionais são apresentados como os únicos agentes ou sujeitos da História.

Dentre alguns dos grandes méritos do “Nova História crítica” é o de demonstrar que os marginalizados do processo político brasileiro podem deixar a sua condição de “subordinados” ou “vencidos” , à condição de atores sociais protagonistas do processo histórico em construção, em busca da cidadania plena.

É preciso esclarecer que um livro didático é uma das muitas ferramentas da formação escolar, mas não é a mais importante, pois se fosse decisivo para detectar qualidade de ensino, certamente aquelas escolas que se utilizam do mesmo material, teriam a mesma proporção de qualidade de ensino, o que não é verdade que aconteça.

Chego a pensar que a polêmica possa estar sendo motivada por uma possível insatisfação de editoras multinacionais que dominam o mercado de livros didáticos brasileiros, com o espaço alcançado pela obra publicada por uma editora nacional de menor tamanho. Será que é correto para a formação da juventude brasileira, ter uma parte de nossa cultura nas mãos do Capital estrangeiro?

Alguns setores conservadores da sociedade brasileira como os “Monarquistas” já demonstraram há alguns anos sua insatisfação com a abordagem do autor, ao demonstrar a incoerência do regime monárquico, onde uma nação trabalha para que alguns vivam às expensas daqueles que são produtivos.

O que faz esta polêmica alcançar duas páginas de um dos maiores jornais do país, mais um artigo de um escritor, e mais um comentário do cineasta Arnaldo Jabour?
Será a preocupação sincera com a qualidade da educação no Brasil? Acredito que as afirmações (e não o debate que até agora não houve) estejam pautadas na intolerância, pelo fato do autor Mario Shimidt demonstrar as contradições de um sistema que politicamente e moralmente está desgastado, e economicamente não é capaz de promover à ascensão dos bilhões de deserdados e excluídos da festa capitalista que reproduz diariamente trilhões de dólares às custas da fome , das mazelas sociais e do esforço dos trabalhadores.

Preciso dizer que não conheço o autor, nem possuo nenhum tipo de relacionamento com a editora. A escola privada em que utilizo este material didático de ótima qualidade, inclusive resolveu há mais de um ano se associar a uma grande rede educacional do Rio de Janeiro que produz seu próprio material didático promovendo a substituição dos livros em todas as disciplinas.

Como educador me preocupo com as “verdades” supostamente absolutas veiculadas pelos meios de comunicação de massa, como a TV, com uma programação que deseduca, na medida em que vincula sua programação ao consumismo e a apatia, frente aos descalabros da política institucional, legitimando este sistema que já dá sinais de esgotamento.

A escola brasileira não possui a qualidade que sonhamos, mas não por causa dos seus educadores, em sua grande maioria comprometidos com aquilo que acreditam ser o melhor, não por causa deste ou de qualquer material didático, mas por uma série de fatores dentre os quais destaco, a falta de investimento público, a má formação docente e principalmente, pela associação do seu currículo aos “nobres” desejos do mercado.

Não defendo o livro por mera simpatia, mas defendo-o por uma concepção de educação que não esteja amarrada a “visão de mundo” dominante.

O educador Paulo Freire dizia que “a cabeça do oprimido contém a cabeça do opressor”, e é para que isto não continue acontecendo, que eu desejo que pelo menos, o espaço nos meios de comunicação não seja desproporcional.