01 janeiro 2022

Senso comum e fascismo.

 Quando Platão identificou em seu dualismo a relação entre Senso Comum e Bom Senso, queria afirmar o conhecimento contra os sentidos, segundo o qual, falha ao não conceber a verdade por tão somente as impressões que os sentidos fornecem.

A Era Moderna, o processo civilizatório que  inaugura a ciência como padrão para os debates, coloca referências, não só como o alcance da verdade, com parâmetros epistemológicos e metodológicos, mas referências éticas para o questionamento daquilo que se apresenta como verdadeiro possa ser questionado de acordo com parâmetros pré-estabelecidos. Óbvio que a ciência não é neutra quando envolve os desejos de classes poderosas economicamente, mas a partir daí também estariam estabelecidos padrões que regulassem os debates, que superariam a hegemonia da verdade por meio religioso e político que dominava a Idade Média.

No século XVIII, o grande filósofo iluminista, Emanuel Kant, estabelece o debate sobre a verdade a partir daquilo que chamou de Imperativo Categórico, referência Ética que estaria acima das culturas e seus valores morais que iniciariam padrões que valorizasse aquilo que a humanidade ,por suas tradições sacralizariam enquanto verdadeiro. A ética, seria referência de princípios para que os valores morais seguissem o caminho com determinada uniformidade.

De Platão à Modernidade, a opinião deixou de ser referência para ações políticas. A opinião(Doxa)  ou Senso Comum seria um engano e não necessariamente corresponderia a verdade. Os olhos que enxergam o Sol, faltariam ao dimensionar o tamanho  do grande astro.

A História recente, pós 2ª guerra mundial reforçou os valores da integridade do Ser humano, acima de qualquer outro valor, baseado nas referências iluministas(século XVIII) quando os direitos humanos ,garantiriam a existência da diversidade, por mais que os princípios iluministas e burgueses pudessem, como foram, serem questionados, principalmente  a partir do Século XIX.

A igualdade iluminista não é a igualdade econômica é uma igualdade jurídica, que permitiria minimamente que o diverso se manifeste. Não resolve, mas garante o alcance à conquistas sociais. 

Nietzsche, talvez, com seu relativismo radical, pudesse justificar o que não fosse, ciência, filosofia e religião/moral, base da pós-modernidade, mas de maneira alguma usou o senso-comum como referência para isso, pelo contrário.

Os argumentos de valorização da “opinião” em detrimento do conhecimento acumulado também foram questionados por pensadores fundamentais do Liberalismo político, (contratualistas)Hobbes e Rousseau, que expressam a necessidade de que os indivíduos “abrissem mão” da liberdade absoluta em torno de um “Contrato Social” que garantisse a integridade do indivíduo(Rousseau) e a segurança(Hobbes).

Tudo isso citado, significa que se a “opinião”  ( Senso Comum) violar padrões civilizatórios, se imputar ao indivíduo maior força que a própria sociedade, estaria colocada aí, antes de tudo uma violação Ética.

Se a força do conhecimento humano tiver que se submeter à vontade de indivíduos ou grupos, esse conhecimento deixa de ter importância. O acúmulo político, dos Utilitaristas(liberais) aos marxistas, trouxe a ética para as ações públicas, a proteção da integridade de minorias, principalmente aquelas que tivessem em risco da viabilidade da existência, o que ficou conhecido como direitos humanos, que é uma criação liberal,de defesa dos direitos “naturais” do indivíduo e da propriedade.

Se alguém afirma sua opinião, contra o direito de existência do outro, está violando princípios éticos e não só manifestando opiniões políticas.

Negacionistas são aqueles que antes de tudo, são antiéticos e até imorais e se travestem de portadores de opiniões políticas.

Submeter a vacinação, avanço da humanidade, a qualquer opinião significa abrir mão de referências históricas que salvaram vidas durante boa parte do século XX e XXI.

E mesmo, defender doutrinas de ódio à diferença não é uma “opção”, nem mesmo uma opinião que valha ser reconhecida.

Portanto, se você despreza parâmetros do conhecimento acumulado, onde a própria Ciência é passível de questionamento, você está violando a Ética. Ser defensor do ódio não é tolerável, ser anti-ciência, não é tolerável, simplesmente é se tornar alguém que é capaz de tudo para conseguir seus desejos. O fascismo, dentre tantas caracterizações, confere o uso da força e da falsa consciência da realidade.

O fascista é o senso comum, é  anticivilizatório, desenterra o que a humanidade havia descartado, e a visão contemporânea deste fascismo renega bases de negociação, debate e parâmetros que norteiam o alcance do bom senso.