15 julho 2017

Público e privado,a "casa e a rua".

"Lei autoriza que moradores de vias com cancelas impeçam a entrada de carros e pessoas.Um dos artigos do texto prevê que acesso poderá ser proibido das 22h às 7h".

Lei municipal que pretende impedir a circulação de pessoas às ruas com cancelas,algo que tem sido cada vez mais comum no subúrbio do Rio de Janeiro é mais um atentado ao estado de direito.

Desta vez no varejo,este novo golpe revela a insanidade das classes médias que abandonam a luta por direitos e privatiza a proteção à propriedade particular.

Estimulados por  vereadores e deputados do RJ que tratam historicamente a política como ato patrimonialista,com seus "currais" eleitorais,exploram o medo para a obtenção de votos.Vemos isso a nível nacional,com protofascistas que exploram o temor à violência para obtenção de vantagens eleitorais.Uma visão curta da política que nos remete ao "coronelismo" ,com acordos de "chefes locais" com governos centrais para que em troca da conivência com políticas no âmbito federal,tem caminhos abertos(coronéis locais) para produzir embustes em seus currais eleitorais.

A perda de credibilidade das instituições,a falência da democracia representativa,a privatização do Estado e das políticas públicas em benefício dos proprietários são o que movem estes "toques de recolher" que atingem em cheio os mais pobres em seu livre direito de utilização dos espaços públicos.

Tal como milícias,determinam a ordem social segundo seus critérios e vontades privadas em detrimento dos sem voz e sem capacidade de organização política.

Tal como as polícias militares que julgam e executam à revelia da lei promovendo o holocausto na favela e periferia.

A vereadora que propõe tal aberração jurídica e política me lembra Montesquieu que atribuía a desorganização da democracia ao desejo da participação popular de ir além do voto.

Segundo o advogado advogado Luiz Paulo Viveiros esta lei representa um retrocesso histórico; "um retorno aos tempos do Vidigal (Miguel Nunes Vidigal, militar brasileiro), que foi chefe de polícia do Império e dizia assim: "Quem é de dentro, dentro, quem é de fora, fora!". Porque quem fosse pego na rua depois das 21h era recolhido."

Assim como abandonou a luta pela escola pública e pela saúde pública,"nossa" classe média faz isto com a segurança pública,arrota sua postura de proprietário,se pensa como burguês,odeia sua condição original de classe popular,se orgulha das suas conquistas no consumo abrindo mão de lutar por direitos para obter privilégios.

O antropólogo Roberto Damatta fala na "cidadania relacional" como característica brasileira,o abandono das lutas por conquistas de direitos em benefício da criação de "teias de relações pessoais" que lhe privilegiem no acesso aos bens públicos.Acrescentaria,que esta cultura do "jeitinho" e do "sabe com que está falando?",do "pra quem quer levar vantagem em tudo" é um produto histórico,de uma ausência do Estado brasileiro que forjou uma forma de "cidadania" do privilégio pessoal.

Não tenham dúvidas,esta classe média que quer se "encastelar" é a mesma que se arvora contra políticas públicas como "bolsa família" e "cotas raciais".

Esta classe média,pouco ou mal escolarizada,que ascendeu socialmente sem o apreço à cultura, alheio ao valor da alteridade é presa fácil aos profissionais da política oportunistas e sem caráter moral.

Por menos "cancelas" e muros,por mais pontes que religuem a rua como espaço público de encontro e solidariedade e consciência de que a política é ferramenta do bem comum e não canal de viabilização da vontade de proprietários.