15 junho 2009

COTAS : Reparação,escravidão e modelo educacional.

Cotas sociais ou raciais são políticas afirmativas que buscam minimizar as desigualdades sociais. Embora não resolvam os problemas sociais, pois eles tem origem nos princípios do sistema capitalista, elas podem remediá-los.


Como é sabido, a abolição da escravidão no Brasil(1888) não permitiu a integração do negro ao mercado de trabalho assalariado em formação.

As teorias de “branqueamento” social (eugênicas) faziam às cabeças da intelectualidade do século XIX e , aliadas as necessidades de experiência na recente industrialização do século XX no Brasil, estimula-se a vinda de imigrantes para a formação inicial da classe operária brasileira, principalmente a imigração italiana.


Durante todo o século XX , as classes dominantes brasileiras não produziram políticas públicas e sociais que permitissem a integração da população negra ao mercado de trabalho e aos processos educacionais, as quais prevaleciam a idéia de que a formação universitária deveria ser de acesso exclusivo dos privilegiados economicamente, com intenção da formação de uma elite econômica branca.


Dados oficiais nos mostram um país racista. Negros com a mesma formação educacional de homens brancos ganham 37% a menos. Os postos de comando da classe dirigente, as universidades públicas contrastam sua cor com a da maioria da população brasileira, segundo o IBGE , somos 77% negros e mestiços, sendo o Brasil, o segundo país negro do mundo.

É certo que os critérios de raça biológica não existem, grande contribuição da microbiologia contra os ideais racistas que ainda vigoram por aí e também por aqui. Traços físicos mestiços de origem , nos permite a caracterização de um povo mestiço.


As cotas raciais são um bom remédio paliativo para o contraste gritante que descolore as universidades públicas brasileiras. Alguns inocentes reproduzem os valores hegemônicos individualistas e racistas ao dizerem que o critério da “meritocracia” foi deixado de lado quando se inauguram as cotas raciais e sociais. E aí eu pergunto, que mérito há em armazenar informações de recortes científicos de disciplinas escolares, baseando o ato de estudar em mera decoreba?


Nos tempos globalizados de hoje, as informações estão disponíveis a todos e a escola de qualidade , a do futuro, fará valer , a capacidade de reflexão e o desenvolvimento das capacidades críticas e criativas, capazes de estimular a autonomia da capacidade de pensar facilitando assim o desenvolvimento da cidadania plena .


A educação brasileira ainda está baseada na educação industrialista do século XIX. Cumpriu seu papel enquanto formadora de apertadores de parafuso, mas esta já não é mais nem mesmo a necessidade do mercado de trabalho, que por conta do avanço vertiginoso da tecnologia , precisa de mão-de-obra disponível a “aprender à aprender”, só para citar uma expressão de Paulo Freire, que sabia bem quais seriam as necessidades dos mercados de trabalho hoje pois dirigiu por tempos um dos chamados sistemas “S” da indústria brasileira.


O mercado exige pessoas preparadas para mudanças rápidas e profundas que se dão constantemente no modelo de produção de acumulação flexível e pós-industrial.


A humanidade clama pela construção de valores sólidos que permitam, juntamente com o avanço técnico-científico, o desenvolvimento da ética , dos princípios de solidariedade e consciência ambiental, valores este que não podem continuar abandonado pelo currículo escolar, como se faz hoje, onde o privilégio curricular está pautado no conhecimento historicamente acumulado.


A escola básica brasileira precisa das mudanças apontadas pelas LDB/1996 de educação e o modelo do ENEM(exame nacional de ensino médio) é resultado destas mudanças que demoram a acontecer e sofrem resistências, inclusive de nós mesmos educadores deste país.

Os educadores, somos formados em cursos de graduação que privilegiam o modelo educacional transmissor(por 4 ou cinco anos de graduação de bacharel) enquanto os cursos de licenciatura sofrem com a marginalização. Este modelo atende ao critério cientificista de formação educacional, que valoriza a associação direta e principal, entre universidade e mercado privado de trabalho.


Pesquisas da Universidade de Brasília e da UERJ demonstram a falácia do argumento de que aqueles que entram nas universidades por meio das cotas, não estariam preparados. O que se vê é o contrário, alunos que ingressaram por meio das cotas tem tido um rendimento igual ou superior aos que entraram pelos tradicionais vestibulares. Isto é fato e joga por terra os argumentos daqueles que acreditam ainda que este país permite à igualdade de acessos aos bens básicos para sobrevivência. Somos campeões mundiais em desigualdade social.


A luta da classe média hoje não deve mirar às classes desfavorecidas, mas deve cobrar do estado maior abertura de vagas nas universidades públicas ao invés de como faz o governo, que financia com dinheiro público(PROUNI) vagas em universidades privadas. Existem universidades particulares que são praticamente bancadas pelo dinheiro público. Por que não direcionar estas verbas para as universidades públicas?


Os argumentos daqueles que julgam a sociedade brasileira como justa, que permite acesso aos bens fundamentais a todos, cai por terra com os fatos apresentados. Cotas raciais e sociais são uma questão de justiça, por mais que não modifiquem a estrutura educacional brasileira, uma coisa não exclui a outra.

17 comentários:

Anônimo disse...

Este foi o mais completo artigo que li sobre o assunto.Não frmei ainda opinião sobre, mas certamente voce irá me influenciar.

Parabéns professor!
Professor Roberto Brum.

Marcelo pessoa neves disse...

Mandou bem prof . Mas não posso ficar aqui muito tempo não, a prova da Uerj é domingo..eh eh eh
abração Mestre.

Marcelo disse...

Sei não wallace. Com tantas mudanças nós vestibulandos viramos ratos de laboratório... mas achei o texto bem fundamentado.

Valeu e saudações rubro-negras!

Anônimo disse...

O artigo é bom , mas cota não é solução.

Fabíola Camargo disse...

É excelente argumento a questão de que a quantidade de informação não leva ninguém refletir melhor.O recente acesso dos negros na Universidade é o argumento mais importante, pois temos provas concretas que os negros estão dando um banho de sabedoria nas universidades, sem ter passado horas decorando quantidades de conteúdo em prés vestibulares caros. As recentes experiências dos prés-vestibulares populares por exemplo, vem demonstrando isso nas próprias universidades.O que nos prés vestibulares fazemos, é estimular o debate, a consciência crítica e valorizar a nossa cultura. Com isso, não acredito que iremos amenizar a desigualdade do capitalismo não, teremos aliados sérios para transformar a sociedade com justiça social.

Roberto disse...

Muito coerente, mais o Prouni também é um bom programa social.

Anônimo disse...

Valeu meu velho. O racismo está tão presente que tem até gente boa argumentando com visão curta.

Anônimo disse...

Sustentam faculdades particulares como sustentam as grandes empresas deste país!

Marcia Lucia

João Marcelo disse...

Lúcido.É incrivel como a classe média não consegue identificar seu verdadeiro inimigo.Não são as vagas das cotas que dificultam o acesso à universidade à classe média, mas sim, a desfaçatez com que governos nos fazem acreditar que que raras vagas estimulam a maior capacidade.
O vestibular é uma farsa educacional, por isso concordo com voce.

Gilton Sathouza disse...

Caro Professor, este modelo de comportamento, alçado na condição do poder, tem transcendido, haja vista a enorme resistência que temos para o novo. Existe a "nova tecnologia a serviço de todos", sim, mas algo exclusivamente para o consumo, pois esta mesma tecnologia já predetermina alguns horizontes cuja intenção está subliminar. É muito complicado, para o senso comum, a grande massa, e aí se inclui profissionais os mais renomados de diversas profissões, mestres, doutores, que calcados num mesmismo absoluto de suas teses imutáveis, não se apercebem à pluralidade de pensamentos, opinões, práticas e costumes extremante infinitos. A partir daí se cria o que alguns pseudo-s intelectuais chamam de elite pensante! Ter títulos não garante a ninguém supremacia do conhecimento; mas o que temos visto é cada vez mais um modelo educacional, principalmente nas Escolas Privadas, caótico e fora do contexto para uma nova sociedade que urge as portas abertas, dentro de suas próprias necessidades e quebrando barreiras, que para aqueles pretensos entendidos, seriam inquebráveis. Diante de tudo isto, compreendo a importância das cotas, para drenar um mínimo das sequelas, ainda tão vigentes nas entranhas sociais, e intrínsecas no ordenamento positivo e costumeiro de um Brasil tão maravilhoso, mas extremante coronelista nos moldes de sua atual ordem política.
Grande abraço

allan hau disse...

Bom argumento...
Primeiramente,não deveriamos estar travando esse debate, pois na minha opinião o vestibular não deveria existir.O sistema brasileiro de acesso a universidade é uma piada, um sistema que seleciona quem deve entrar ou não.Na verdade é um sistema que seleciona aquele q teve + poder aquisitivo para se preparar,basta ver como os cursos de direito e medicina estão nos tentáculos de uma elite.
Como nossa realidade é essa, acredito que as cotas tem sim que existir, é uma maneira de garantir o acesso dos desfavorecidos no sistema capitalista.Como já disse o professor acima, o desempenho dos cotistas é igual ou superior ao dos não cotistas, então não precisa falar + nada né.
Um compnheiro escreveu um comentário sobre o Prouni, q é um bom programa social...prefiro deixar essa questão em aberto, será mesmo q é um bom programa, as universidades particulares devem adorar neh?

Vlw, muito bom argumento wallace, queria q vc falasse um pouco do prouni.

Anônimo disse...

Perfeito!

Durval disse...

Delicado assunto,onde as raízes dos problemas são muito bem colocadasa por você professor.No entanto tenho dúvidas se esta seria a melhor solução.
Abraços

Anônimo disse...

É preciso ter coragem para escrever sobre este tema sem se melindrar com tantas opiniões contrárias.Não concordo,ou concordo em parte com você,mas te felicito amigo pelobrilhantismo dos seus argumentos.

Professor Nestor Da Silva Pereira

Taciane Ribeiro disse...

Opa! Anúncio de texto do Wallace é propaganda de boas leituras.
Saudades das suas aulas prof querido e um montão de saudades de vc.

Anônimo disse...

Super consistentes argumentos Senhor Wallace.A bizarrice afronta a uma mera política afirmativa,democrática,de uma sociedade que pensa com a cabeça do século XIX.
Meus exaltadíssimos cumprimentos pela bela página que ostentas aqui.

Alfredo Santos Portela.

Anônimo disse...

Beleza de texto meu futuro presidente do Brasil.
Você nunca surpreende os que te conhecem e que confiam em você.Abração querido Mestre.

Luis Amaro Cavalcante Júnior