Muito se discute sobre a falta de ética.Não há falta de
ética,o que há é uma ética que fundamenta os caminhos e normas sociais em que
vivemos.Melhor dizer que sobrevivemos à ética atual,a ética é um conjunto de princípios universais.Um problema moral é
quando um desejo pessoal se contrapõe aos princípios éticos.O edifício teórico
ético nos assombra quando queremos desestabilizar este modelo instituído.Mas a
minha ação moral ou contra-moral,é afirmação dos valores aceitos ou pode
significar a transgressão da moral vigente.
A ética que prevalece em nossos tempos é a ética construída
historicamente pelos sistemas filosóficos que acompanharam as transformações
burguesas ao longo da história.Vivemos a ética burguesa.E nos alarmamos,quando
somos críticos a este modelo de civilização que está posto.Um modelo do
Capital,que cria signos que não correspondem ao humanismo,a valorização da vida
com toda a dignidade.
Foucault,ao estudar Epicuro definiu ética como a “estética da
existência”.O modo como o indivíduo vê beleza em sua vida, a maneira e os
caminhos com que deseja construir sua
existência.E este modelo pode ser moral,aceitável enquanto padrão de
comportamento ou não.Eis a encruzilhada da humanidade.Ratificamos os
comportamentos da ética do Capital,a mesquinha ética do capitalismo,competitiva
antes de solidária,individualista antes de reconhecer o outro como parte da
construção de si mesmo(Alteridade).
A moral vigente é estabelecida pela ética do consumo e do
lucro,somos modelados pela manufatura do sucesso,que nos permite Status,fator
de diferenciação dos outros,não “tão bons quanto nós”.E aceitamos tudo isso.
Em “Romeu e Julieta” de Shakespeare nos contorcemos de dor, quando do final infeliz do casal que
se ama se concretiza. Esta história coloca a regra social em xeque ,o valor
moral expresso na paixão vai de encontro a ética estabelecida.Precisamos entender
o recado do autor.O que está estabelecido não necessariamente nos servirá para
eternidade.A paixão,em dose controlada,pode significar um novo estado de
coisas,uma nova ordem,uma nova ética.
Os gregos construíam a
imagem do confronto das paixões,os desejos, com a ética,como um barquinho em
meio à tempestade em alto mar,sem rumo,sem direção,pronto a afundar.É assim que
nos vemos quando estamos apaixonados,no sentido largo da palavra,quando
desejamos algo,alguma coisa ou alguém.O caminho da correção dos sentidos ou dos
sentimentos estaria em racionalizar esta tempestade,adaptar ou sucumbir meu
desejo às normas éticas universais estabelecidas como padrões de correção.Este
é o princípio da ordem,que pode ser “benéfico”,calmante filosófico,na medida em
que nos vemos de novo adaptados às rotinas morais.Será esta a solução?
É aí que entra a relativização do Universal.O Universal que a
humanidade consagra em um esforço histórico,”sagrados” valores, podem em certa
medida serem desconstruídos.A crítica à moral vigente é uma necessidade para o
desenvolvimento ético da humanidade.Ela sim,pode significar descontrole,pode
significar ausência de ordem,mas será mesmo que a ordem estabelecida,os valores
burgueses sacralizados pelo Iluminismo,será que eles ainda nos servem?Alguns
dizem que ainda não alcançamos a utopia iluminista.Outros,que elas são a
atualidade ética em que vivemos.Não precisamos de psicanálise,não há crise no
indivíduo,a crise é filosófica,a crise é do modelo de valores petrificados pelo
sistema capitalista,seu liberalismo político e sua cultura de massa.O estresse
social deve implodir os rumos atuais,construindo um novo modelo,uma nova ética.O
descontrole também pode ser interpretado como liberdade.
Só a transgressão da ética atual pode resignificar a
humanidade.A crítica da moral é um papel filosófico que deve ser assumido por
cada indivíduo,que conseguirá com a força da sua razão,iluminar espaços que são
obscurecidos pela cultura capitalista,superar o Simulacro de realidade que nos
foi imposto,promover a autonomia do pensar,desamarrar os grilhões que
falsificam a realidade.
Somente a subversão de valores éticos pode permitir uma ética
universal que seja Transcendência,superando a Imanência material,o que nos
prende a falta de lucidez,o que nos torna uma humanidade angustiada,que sofre
quando enxerga as mazelas produzidas
pelo sistema da exclusão.A culpa é a sombra que nos acompanha mas a ignoramos
como fazemos como as sombras de nossos
corpos.Mas esta angústia coletiva é logo superada pelas “falsas crenças da
realidade”,como dizia o filósofo Epicuro.A ilusão é a constituição da nossa
vida atual.É o psicótico desejo de fugir de uma vida que pesa aos ombros ,que
pesa na alma,mas banalizamos e naturalizamos esse modelo de existência
irreal,incompatível com o modelo ético que almejamos,incompatível com os
valores de justiça que gostaríamos de alcançar.
Só a subversão nos salvará da ética que condena a vida de
bilhões.Condenados à fome,uma fome de nova ética que venha substituir o
sistema,este padrão ético que faz parecer que o erro é individual,quando na verdade
é o modelo universal de existência que condena a cada um na medida em que
consagra seus falsos sonhos,ilusões descabidas que nos tornam doentes
moralmente,decadentes mesmo que economicamente
felizes,mesmo que tenhamos alcançado os píncaros do alpinismo social.
A nova “estética da existência”,a nova ética,os novos
princípios de uma nova humanidade que sufocará a crise civilizatória em que
vivemos,certamente não passa pelo modelo filosófico do capitalismo.Uma nova
ética que supere a abominação que nos tornamos,ao ignorar a hipocrisia social
que fazemos de conta não existir neste modelo global carcomido,com o rumo
apontado para o abismo ético.Estamos no precipício,frente as escolhas que
podemos fazer,por uma nova ética,ou continuemos a viver com a morte do sentido
existencial.